sábado, 16 de agosto de 2008

ZÉ DO CAIXÃO E ÜBERMENSCH, É POSSÍVEL?

Iniciamos esta postagem com o email enviado (em 12/08/2008) pelo amigo administrador de empresas Isael Moises, de Araxá-MG:

"Caro Prof. Tiago Menta,

Sou formando em Administração de Empresas em Araxá_MG, tenho grande interesse em Ciências Humanas, particularmente em Sociologia e quão grata foi minha surpresa ao encontrar um material tão bem montado em seus vídeos (Capitalismo, Feudalismo), em seguida acessei seu blog e fiquei ainda mais impressionado com a clareza, objetividade, isenção e didática com que trata temas tão massivamente manipulados como Socialismo, Marxismo, Desenvolvimento e afins. Gostaria, se possível, de solicitar-lhe um grande auxílio, o de indicar-me livros introdutórios às 3 Grandes Áreas das Ciências Sociais: a Sociologia, a Economia e a Antropologia. Já li algumas obras de Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr, Celso Furtado, Bóris Fausto, Emília Viotti, Edgard Carone, Roberto Campos, Sérgio Buarque de Holanda e alguns trechos de Hobsbawn, Friedman. No entanto, ainda não aventurei-me pelos clássicos mais densos (como Platão,Tocqueville, Weber, Marx, Hobbes, Keynes e outros), por falta de um conhecimento básico necessário para compreender e assimilá-los, onde creio que um roteiro de leitura acompanhado de uma lista de livros introdutórios e de comentários à tais obras, poderiam ajudar-me.

Lí seu artigo sobre o candidato Obama, e não contenho-me de perguntá-lo: até onde é possível a implementação de grandes reformas na sociedade norte-americana por um político, dentro de um sistema onde o Partido Democrata e o Conservador, a serviço da indústria do petróleo, do complexo industrial-bélico e das grandes corporações representam apenas variações de uma única Companhia? Qual seria a margem de manobra de tal presidente? (ou minha visão estaria um pouco distorcida pela leitura de Noam Chomsky, Gore Vidal e de alguns documentários de Michael Moore?) Em tempo, ao concluir o curso de Adm., pretendo fazer pós em Sociologia, vc indicaria alguma instituição/curso em específico? Agradeceria imensamente, se dispendesse parte de seu tempo em responder-me.

Atentamente, Isael Moisés"

Reproduzo aqui a minha resposta ao amigo Isael Moises:

"Antes de mais nada, fico agradecido pelas palavras Isael, isso só me motiva a continuar no mesmo caminho.
Primeiro, um conselho: não tenha medo de ler os clássicos, achando que somente possa fazer tal leitura se estiver com uma obra introdutória ao lado, pois isso pode direcionar a sua leitura e nem sempre é positivo fazer assim. Encare os clássicos de mente aberta, mesmo sabendo que na primeira leitura talvez não retire toda a riqueza que a obra mostra, mas isso vem com outras leituras e com o tempo, não se preocupe.
Citou Platão - leia a Apologia de Sócrates, e em seguida A República. Também Max Weber - leia A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Karl Marx e Engels leia O Manifesto do Partido Comunista, A Ideologia Alemã, Manuscritos Econômico Filosóficos. Thomas Hobbes, John M. Keynes e Alexis Tocqueville podem ser deixados como leituras posteriores, e entre de cabeça em Platão, Marx e Weber - são gigantes das ciências humanas.
Os livros introdutórios, vamos lá..
ECONOMIA - História do Pensamento Econômico, uma perspectiva crítica. Escrito por E.K. Hunt, livro da editora Campus.
SOCIOLOGIA - Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. Escrito pela Tania Quintaneiro e mais duas autoras, livro da editora da UFMG.
As Regras do Método Sociológico. Clássico escrito por Émile Durkheim, pode pegar a edição de bolso da editora Martin Claret (também há uma edição da editora Martins Fontes).
Da Divisão do Trabalho Social. Clássico escrito por Émile Durkheim, da editora Martins Fontes.
A Gênese do Capitalismo Moderno. Outro clássico, escrito por Max Weber e comentado nesta edição por Jesse Souza, livro da editora Ática.
Ciência e Política: duas Vocações. Outro clássico, escrito por Max Weber, também livro de bolso da editora Martin Claret.
Max Weber: Sociologia - Coleção Grandes Cientistas Sociais, da editora Ática.
ANTROPOLOGIA - Antropologia Cultural e Social, escrito por Hoebel e E. Frost, da editora Cultrix.
Antropologia: uma Introdução. Escrito por Marina Marconi e Zelia Presotto, da editora Atlas.
Sobre Obama e a corrida presidencial na América diria que o amigo tem sua razão para compreender que uma real mudança é muito dífícil se esta for de encontro aos interesses corporativos, que como sabemos tem um peso fortíssimo na política norte-americana. Há pensadores, críticos mais vorazes como o amigo citou, que entendem que quem dá as cartas na Casa Branca não são os homens que ali se sentam e "comandam" a potência, mas sim as Companys, as Gigantes do Mundo Corporativo, ou Wall Street. Ou seja, quem comanda a maior potência da terra não é seu governo, até porque nos Estados Unidos o Estado tem um papel muito pequeno se comparado por exemplo com os nossos modelos hipertrofiados latino-americanos, mas a iniciativa privada, não só do Petróleo.
Um Presidente americano, nesta perspectiva, não vai bater de frente com IBM, McDonalds, Microsoft, Standard Oil, Texaco, e isso é verdade. Basta fazermos a seguinte reflexão: por que os americanos não assinaram o Protocolo de Kyoto, sendo eles os maiores poluidores do planeta e emissores de gases na atmosfera? Porque isso seria dar as costas as companhias norte-americanas, sendo uma espécie de negação a si mesmos.
E assim, por mais que Barack Obama se anuncie como uma força transformadora, como o agente "the Change", esta transformação dificilmente se dará na contramão da história política norte-americana que é justamente do peso que representa no país a iniciativa privada e suas gigantes corporações.
Dica de Instituição, em Minas Gerais, só poderia ser a nossa UFMG (em Sociologia - Ciências Sociais, e até em possíveis especializações em Antropologia posteriormente).
Espero tê-lo ajudado, e continue conosco nos vídeos, no blog, e sempre que quiser dê sugestões, questões, que ficarei muito grato aqui.
Abraços do amigo, Prof. Tiago Menta."





ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO - O FIM DA TRILOGIA DE MOJICA MARINS!

Estreiou a algumas semanas em alguns estados brasileiros (SP, RJ, RS e MG), infelizmente, o filme que encerra a trilogia do cineasta brasileiro José Mojica Marins e seu já folclórico personagem "Zé do Caixão" - Encarnação do Demônio.

"Encarnação" dá fim a trilogia que ainda reúne, na década de 60, os filmes "Á Meia-Noite eu Levarei tua Alma" e "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver".

Aqui no Brasil Mojica não possui o reconhecimento que tem por exemplo nos Estados Unidos, onde é conhecido como Coffen Joe (nome que deram ao personagem Zé do Caixão). Porém, com a produção do filme após décadas de tentativas fracassadas (inclusive com a morte do primeiro produtor, na década de 70), com o lançamento do livro biográfico de Mojica "Maldito", com o programa estilo talk show no Canal Brasil "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (nome de filme também estrelado por Mojica), parece-me que tanto o cineasta quanto seu emblemático personagem começam a ganhar a devida atenção do público brasileiro, especialmente entre os adolescentes (que gostam de filmes de horror).

QUEM É "ZÉ DO CAIXÃO"?

Para muitos que querem se aventurar no novo filme de Mojica talvez este possa parecer confuso, estranho, pois o mesmo deve ser assistido após serem vistos os filmes anteriores para que o espectador entre, literalmente, na lógica do personagem.

Zé do Caixão, ou Josefel Zanatas (Satanás de trás para frente), é um agente funerário que vive numa cidade pacata do interior brasileiro. Após uma experiência traumática com a ex-noiva, inclusive morta por ele, Josefel torna-se um homem essencialmente cético e materialista.

Zé entende que as demais pessoas, ou mesmo o populacho, são seres inferiores já que estão presos a religiosidade, a uma vida de submissão, carregada de crendices, superstições, e que como tal não merecem a própria vida - visto que não a desfrutam. Assim o personagem se auto-define como Superior, como Homem-Superior.

Como materialista que é, Zé acredita que viverá eternamente apenas através de uma criança gerada por ele - a hereditariedade do sangue, e não a da alma. Para isso, já que se entende Superior, busca uma mulher que possa acompanhá-lo em superioridade, uma mulher livre de crendices, religiosidade, liberta e corajosa. E ai se inicia sua busca, mostrada nos três filmes.

Para saber se a mulher realmente é Superior e não mais uma, mais uma do populacho inferior, Zé do Caixão submete-as a inúmeros testes, carregados de crueldade, horror e dor - e assim o uso de animais peçonhentos como aranhas, baratas, ratos, cobras, e de várias formas de torturas.

ZÉ DO CAIXÃO - FILOSOFIA NIETZSCHIANA?

Como dito acima, Zé do Caixão se entende um homem superior, diferenciado do populacho preso a religião e as crenças ou superstições. Isso faz lembrar, de certa forma, a lógica da filosofia nietzschiana, na apresentação do Além-Homem pelo profeta Zaratustra - de um homem superior sim, se comparado aos homens (Nietzsche até os chama de macacos) simples, populares, perdidos na ética judaico-cristã ou como afirma Nietzsche "na lógica dos ressentidos".

Para Nietzsche o homem moderno vive no niilismo, no vazio existencial, pois está entregue e submisso a uma ética e moral que valorizam não este mundo, não a humanidade, mas sim uma vida de retidão (apolínea) e de busca por um devir metafísico - e assim torna a sua filosofia, dita do "martelo", uma crítica voraz ao cristianismo e ao judaísmo, e a própria tradição filosófica metafísica alemã (representada por Kant e principalmente Hegel).

Zaratustra, profeta iraniano da Antiguidade e construtor da primeira religião monoteísta (Zoroastrismo), é tornado personagem na obra "Assim Falava Zaratustra" como anunciador do Übermensch ou Além-Homem/Super-Homem Nietzschiano: livre, superior, valorizador do hoje e do mundo dos homens, negando toda forma de metafísica (o profeta diz - homens, parem de cuspir para cima!), levando uma vida próxima dos valores clássicos, greco-romanos, o que Nietzsche aponta como vida "dionísiaca" (deus da alegria, das festas, da bebida, da não-autoridade e do não-limite).

Zé do Caixão, personagem de Mojica (um grande cineasta e um homem inteligente, mesmo destituído de erudição) pode ser aproximado sim do Além-Homem Nietzschiano, não na violência do personagem, mas no materialismo do mesmo, na idéia de que um homem livre de crenças é um homem verdadeiramente livre, talvez superior?

Leiam Nietzsche "ASSIM FALAVA ZARATUSTRA" e assistam a trilogia de Mojica "À MEIA-NOITE LEVAREI TUA ALMA", "ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER" e nos cinemas "ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO".

terça-feira, 5 de agosto de 2008

OS JOGOS OLÍMPICOS CLÁSSICOS



OS JOGOS OLÍMPICOS CLÁSSICOS
Na próxima sexta-feira, dia 8 de agosto, inicia-se na cidade chinesa de Pequim mais uma edição dos Jogos Olímpicos Modernos - criado no final do século 19.
Muitos não sabem, mas na Grécia Clássica, habitus dos Jogos a partir do século 8 AC, o sentido de fazê-los era muito, muito diferente do sentido que hoje possui - como evento internacional, reunindo festa e oportunidades de negócios (não é à toa que a seleção da cidade sede é uma verdadeira batalha política).
Os Jogos eram promovidos por toda a Grécia, em suas várias cidades-Estados ou "pólis", a cada quatro anos (mesmo intervalo de tempo dos Jogos Modernos). Contudo, estes Jogos eram manifestação cultural exclusiva dos gregos e estes o faziam como uma espécie de "Festividade Fúnebre"....isso mesmo, como um excêntrico "Dia de Finados".
Rememorar e reverenciar os mortos dos últimos quatro anos passados - este era o sentido dos Jogos! Como no evento moderno haviam uma série de competições atléticas/esportivas: boxe (sem luvas ou qualquer proteção), atletismo e derivados (como saltos, maratona, arremessos), hipismo, arco e flecha. Uma curiosidade - todos os atletas gregos realizavam as suas perfomances completamente nus! E além disso era proibida a participação de mulheres nos Jogos, seja como atletas e até mesmo como espectadoras.
Na próxima sexta a "Tocha Olímpica" será acesa, dando início aos jogos. E na Antiguidade? A mesma coisa, porém a tocha não era assim tão significativa quanto o fogo, este sim, símbolo forte entre os gregos através de sua mitologia, como na lenda de Prometeu (roubou o fogo dos deuses e entregou-o aos homens, sendo castigado por toda a eternidade - acorrentado a um penhasco, tinha seu fígado todos os dias devorado por aves de rapina, fígado que no dia seguinte se regenerava para novo e terrível castigo).
E os prêmios? Hoje são dados aos campeões olímpicos além do louro da vitória (também dado aos campeões da Antiguidade) as medalhas de ouro, prata e bronze. Na Antiguidade há relatos de entrega de prêmios como enormes vasos, éguas e até mulheres!
O nome "Olímpiadas" é derivado do nome da pólis grega "Olímpia". Isso ocorrera porque em Olímpia eram realizados os mais esperados e prestigiados jogos dentre todas as pólis gregas, especialmente quanto a regularidade dos jogos - em Olímpia eram realizados, sempre, a cada quatro anos, isso entre os séculos 8AC até o século 5 DC já dentro do Império Romano, no final da Idade Antiga. Mas, por que as Olímpiadas chegaram ao fim?

A IGREJA ROMANA - O FIM DAS OLÍMPIADAS CLÁSSICAS
No século 5, no final da Idade Antiga, caminhando a Europa para a castelização de sua sociedade (formando o chamado Feudalismo, e adentrando para a Idade Média), Roma ainda governava o mundo antigo com mãos de ferro!
No centro do poder romano haviam os seus imperadores, e no final do século 5 já havia se estabelecido no seio do Estado romano um novo poder - a Igreja Romana ou o Catolicismo. Fora neste mesmo século que Constantino I aceitara e dera liberdade religiosa aos cristãos, e Teodósio I o imperador que enfim estabelecera o cristianismo como Igreja Oficial do Império Romano, logo criando a própria noção de Igreja Romana (não fora Pedro, Paulo, nem Jesus, os criadores do Catolicismo mas Teodósio, um dos imperadores romanos do século 5).
Em Olímpia, desde o século 8 AC, os Jogos eram realizados a cada quatro anos, mantendo uma milenar tradição. Com o advento do Cristianismo no mundo romano, e a Grécia pertencia como quase todo o mundo antigo aos romanos e seu vasto Império, a tradição dos Jogos começara a ser vista pelo poder com maus olhos.
O Imperador Teodósio I, fervoroso cristão, entendia que os Jogos realizados na Grécia eram contrários aos preceitos cristãos - lembremos do fogo e da chama mitológica, dos atletas nus em competição, da estética dos corpos e não da alma...ou seja, o inferno era o lugar mais apropriado para os participantes dos Jogos!
Teodósio I se justificou dizendo que os jogos eram manifestações pagãs, não-cristãs e que a partir daquele momento os jogos estavam terminantemente proibidos! Vencia a pureza da alma, a busca pelo espírito, de maneira intolerante.
Os Jogos assim ficaram, em suspenso, por toda a Idade Média e Idade Moderna, sendo recuperado no final do século 19 tendo como Atenas o país sede dos Jogos Olímpicos Modernos (só interrompido durante as Guerras Mundiais - 1914/1918 e 1938/1945).