domingo, 14 de junho de 2009

ODE A JIM MORRISON


Ontem a noite assisti (Telecine Cult), novamente, e sem nunca cansar, ao clássico de Oliver Stone "The Doors" que nos remete a biografia do gênio poético-musical Jim Morrison, protagonista e vocalista da banda The Doors (As Portas, referência a obra As Portas da Percepção, de Huxley).
Morrison, falecido em Paris no ano de 1971 (vitimado por um ataque cardíaco aos 27 anos de idade - provocado por uma vida intensa, ávida, de excessos - álcool, viagens de mescalina e ácido, cocaína, nicotina, prazeres sexuais e até bruxaria ou ocultismo) é daqueles ícones criados nos loucos (e sempre criativos) anos sessenta, dentro da chamada contracultura (ele mesmo dizia fazer uma música de ruptura).
Repasso aos leitores e amigos a tradução do que considero a sua obra-prima "The End" ou "O Fim", utilizada inclusive no cinema como parte da trilha sonora de Apocalypse Now (filme sobre a guerra do Vietnã, estrelado por Marlon Brando):
"(...) my only friend - the end (...)" Inesquecível!

Este é o fim Belo amigo
Este é o fim
Meu único amigo, o fim
Dos nossos elaborados planos, o fim
De tudo que permanece, o fim
Sem salvação ou surpresa, o fim
Eu nunca olharei em seus olhos...de novo
Voce pode imaginar o que será?
Tão sem limites e livre
Precisando desesperadamente...de alguma...mão de estranho
Numa terra desesperada?

Perdido numa romana...selva de dor
E todas as crianças estão loucas
Todas as crianças estão loucas
Esperando a chuva de verão, sim
Tem perigo no extremo da cidade
Passeie pela estrada do rei, bem
Cenas estranhas dentro da mina de ouro
Passeie pela estrada do este, bem
Passeie pela serpente, passeie pela serpente
Para o lago, o antigo lago, bem
A serpente é longa, sete milhas (11 km)
Passeie pela serpente… Ela é velha e sua pele é gelada
O oeste é o melhor
O oeste é o melhor
Vá lá, e nós faremos o resto
O ônibus azul está nos chamando
O ônibus azul está nos chamando
Motorista, aonde está nos levando?

O matador acordou antes do amanhecer, ele pôs suas botas
Ele tirou uma foto da antiga galeria
E andou pelo corredor
Entrou no quarto em que sua irmã vivia, e...então ele
Pagou a visita a seu irmão, e então ele
Ele andou pelo corredor, e
E ele veio até a porta...e ele olhou para dentro
"Pai?", "Sim filho?", "Eu quero te matar."
"Mãe...Eu quero...te foder."

Venha bem, tente conosco (3x)
E me encontre atrás do ônibus azul
Fazendo um foguete azul, No ônibus azul
Fazendo um rock triste, vamos, sim
Matar, matar, matar, matar, matar, matar

Este é o fim, belo amigo
Este é o fim, meu único amigo, o fim
Dói te libertar
Mas você nunca vai me seguir
O fim da gargalhada e das mentiras suaves
O fim das noites que tentávamos morrer
Este é o fim

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Deus ao Telefone!

São seis da manhã, toca o telefone.
“Alô” (com voz suave, de tanto sono).
“Sou eu” (com uma voz grave, quase cavernosa).
“Eu quem? Sabe que horas são amigo?!”
“Claro, pois foi eu que criei o tempo”.
“Ta bom, preciso dormir. Daqui a pouco tenho que levantar e dar aula, não enche o saco meu irmão”.

Desligo o telefone.

Minutos depois, novo toque.
“Alô!!” (já nervoso com aquilo).
“Acho que não fui muito claro com você. Sou eu.”
“Eu quem? Fala sério amigo, é cedo para ficar de papo furado”.
“Eu sou o eu. Sou o hoje, amanhã e depois. Eu sou o teu criador.”
“Ah amigo, você acha que eu vou cair num trote desses? Tu deve ser algum aluno meu querendo fazer hora com a minha cara. Como conseguiu o meu telefone ein, se eu descobrir tu vai se foder direitinho.”
“Pelo visto não haverá outro jeito de você me dar a sua atenção senão provar-lhe a minha real existência. Pois bem, está vendo este copo de água ai ao lado de sua cama? Pois conte até cinco e diga abracadabra.”
“Ah bom, vamos ver então...um, dois, três, quatro e cinco - abracadabra!”
“Agora veja”.
“Puta que o pariu! Como conseguiu fazer isso?” (o copo antes com água se encheu de líquido avermelhado, grosso).
“Agora beba”.
“Ta bom” (já assustado e também curioso).
“Poxa! É vinho.”
“Claro, pelo jeito não conhece um de meus truques favoritos, vocês mesmos já escreveram sobre isso num livrinho antigo. Uma de minhas mais brilhantes criações fez isso a milhares de anos atrás.”
“Peraí. Aqui, quer dizer então que tu é Deus?”
“Bom, já que me chamam assim, digamos que sim.”
“E que você quer comigo?”
“Sei lá, bater um papo. Ando meio solitário.”
“Solitário? Com tantos adoradores, crentes, seguidores, místicos, guerreiros, sacerdotes, toda esta turma vivendo em função de vossa pessoa, como dizer que é só.”
“Não, não. Eu não suporto essa gente. Ficam me pedindo, pedindo, imagine se eu fosse escutar e atender todo mundo. E outra, ficam brigando achando que me conhecem quando na verdade nem sabem o que sou, como sou, o que penso ou faço. São todos uns babacas. Você é diferente Tiago, você nunca me pediu nada, você nunca esperou nada de mim e nem está nem ai para mim.”
“É, eu sempre digo para colegas e alunos que você morreu.”
“Mas eu morri mesmo, aliás eu nunca existi.”
“Vixi, ta complicada a conversa, como assim?”
“Isso a que chamam Deus não existe, nunca existiu, e certamente não sou eu. Realmente isso está mais do que morto. Nisso você tem razão e olha que um cara bigodudo já havia alertado vocês tempos atrás.”
“Você quer dizer Nietzsche?”
“Vocês o chamavam assim, mas foi uma de minhas melhores criações, eu o criei como Bigodão0000000000000000000000000000000000000000000001”
“Afinal de contas quem é você, o que faz? Tenho tantas perguntas para fazer? De onde viemos e para onde vamos?”
“Vocês vieram de dentro de mim. Eu solto um gás, a que chamam de alma, este gás se materializa e pronto, ai estão vocês, livres, leves e soltos como o ar que respiram.”
“Poxa, quer dizer que somos como peidos divinos”
“Se quer entender assim, que seja.”
“E para onde vamos, quando morremos?”
“Ué, quando morrem a matéria se dissolve e o gás volta para onde veio.”
“Então não existe céu ou inferno?”
“Ahaahahahahah, que isso, eu não sou imbecil a este ponto. Isso de certo ou errado, punir ou agradar, é tudo coisa que vocês, meus queridos balões de gás, inventaram para de alguma forma não se matarem uns aos outros”
“Poxa que bom então, quer dizer que tudo é permitido, como Dostoievski dizia.”
“Depende, sabe que há leis ai no seu mundo, você acabaria em uma prisão Tiago, sabe que as coisas ai não são tão liberais assim.”
“É mesmo. Mas e o amor, a verdade, a justiça, todos estes valores, o bem. O que me diz sobre tudo isso?”
“A mesma coisa, nada a ver comigo. Isso é coisa de vocês, pois sem isso, sem estas regras não se suportariam um único minuto, acabariam se matando. Como todo gás vocês são extremamente instáveis, mas como carregam uma essência especial de minha inteligência acabaram se tornando gases mais inteligentes, no início tinham mais pelos, um crânio e maxilar maiores, viviam soltos e completamente livres, mal falavam coisa com coisa, e olha, eram mais felizes assim, mas ai um curió começou a se alimentar de carne e ai deu no que deu, evoluíram, como dizia a minha criação Barba00000000000000000000000000000000000000000001”
“Poxa, quer dizer Darwin”
“Era assim como chamavam, ele já dizia isso, mas vocês insistem em inventar coisas, o que é típico de gases instáveis”
“Nossa, está na hora de eu desligar o telefone e ir trabalhar. Tenho aula as nove da manhã.”
“É professor de História e Filosofia você.”
“Sim, claro.”
“Coitado, como consegue viver com este salário? Eu com todo meu poder não saberia o que fazer com R$ 950,00.”
“Peraí, mas eu nem ganho isso ainda. O governo está discutindo com os governadores sobre a implantação do piso salarial nacional.”
“Nem chega a isso o seu salário? E eu reclamando de solidão. Prefiro a solidão da eternidade que isso.”
“Não tem como o senhor intervir a nosso favor, use seus poderes contra essa gente exploradora.”
“Mas ai a minha diversão ia acabar.”
“O senhor se diverte com isso? Nós sofremos e você se diverte.”
“É”
“Mas por que?”
“Eu não tenho muito o que fazer, então acho bacana curtir o comportamento de vocês, gases instáveis, nunca se esqueça. A instabilidade de vocês, seus conflitos, tudo isso é que dá sentido a minha existência, sem isso a monotonia eterna acabaria me matando, já pensei até em suicídio algumas vezes.”
“Tu é mal então”
“Não, não. Isso é coisa de vocês. Nada de bem ou mal para cima de mim.”
“Aqui, uma última coisa. Quem será o próximo presidente do Brasil? Tem alguma idéia?”
“Se depender de mim, para minha diversão eterna, será o Fernando Haddad!”
“NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!”


Acordo de meu sono alucinógeno, o efeito das drogas passou. Olho pro lado e lá está “Para Além do Bem e do Mal – Friedrich Nietzsche”, abro um sorriso e digo para mim mesmo “graças a Deus”.

terça-feira, 2 de junho de 2009

MATRIX RELOADED - ESTÉTICA, ÉTICA E CONSUMO


Cine Pampulha (ano de 2003), meio-dia, uma fila imensa reúne jovens, crianças, adultos e idosos. Daqui a meia hora será exibida, pela primeira vez (espécie de avant premier) o filme "Matrix Reloaded" - segundo filme da aclamada trilogia dos diretores e irmãos Wachowski (baseados na obra Simulacro e Simulações do filósofo francês Jean Baudrillard).
Estou na fila, como os outros, ansioso por saber como o protagonista Neo (Keanu Reeves) irá libertar os seres humanos da vida simulada pela Matrix (espécie de IA, programa de computador, que aliena a vida humana para que estes, submissos, possam ser devorados/como alimento por um mundo dominado e realmente vivenciado por máquinas). E claro, ávido pela já comentada luta entre o protagonista e seu antagonista Agente Smith (Hugo Weaving) multiplicado em milhares de cópias.
Fazia um calor terrível, a fila para compra de ingressos andava a curtos passos, e eu já suava pela mistura da alta temperatura e ansiedade.
De repente uma figura adentra a enorme fila, chamando a atenção de muitos para si: um adolescente, em pleno sol do meio-dia, vestido com um largo e imponente sobretudo negro (assim como os complementos de toda a vestimenta), óculos escuros, cabelos com gel, botas. Estaria em nossa presença o protagonista "Neo"? Sim.
A resposta afirmativa é fruto de que ali, naquela fila de cinema, estava o personagem materializado em termos de mercadorias. Afinal, qual a motivação de se comprar um sobretudo negro em pleno calor brasileiro, e usá-lo ao meio-dia? Qual a motivação de se comprar botas para ir ao cinema, e pior, ir ao cinema portando óculos escuros? Aquele adolescente quer ser o "Neo", e para isso o que tivera que fazer? Consumir!
Em torno da obra cinematográfica "Matrix Reloaded" giram uma infinidade de mercadorias que vão do simples ingresso de cinema até ao sobretudo negro comprado pelos pais de um adolescente em estado de HIPNOSE-CULTURAL. Passada a onda hipnótica (e elas sempre passam, e muito rápido) fico imaginando aonde estará este sobretudo negro? Provavelmente em um lugar sombrio - o fundo de um armário (espécie de lixeira moderna).
Percebemos então como é tênue a relação ESTÉTICA/ÉTICA/CONSUMO realizando uma tríade muito poderosa a serviço da reprodução da engrenagem sócio-econômica hegemônica. Tomemos, com mais profundidade, o exemplo da obra "Matrix Reloaded":
Neo-Protagonista-Keanu Reeves APELO ESTÉTICO
Sobretudo negro, botas, óculos escuros (inclusive com uso noturno) APELO ESTÉTICO
Qualidades (elementos de sedução e convencimento)do Protagonista da obra como Força, Velocidade, Inteligência, Liderança, Sensualidade, Coragem APELO ÉTICO (SEJA COMO NEO - BOM É SER COMO O NEO - SE VOCÊ NÃO É COMO O NEO VOCÊ ESTÁ SENDO UM LOSER)
Criação das chamadas PSEUDO-NECESSIDADES: COMPRAR INGRESSO DE CINEMA, BOTAS, ÓCULOS ESCUROS, SOBRETUDO NEGRO, GEL PARA CABELO, AULAS DE ARTES MARCIAIS, DVD DO FILME, CD COM TRILHA SONORA DO FILME, CAMISETAS COM PERSONAGENS DO FILME, CADERNOS COM PERSONAGENS DO FILME, LIVROS E REVISTAS QUE TENHAM COMO TEMÁTICA ELEMENTOS DO FILME, PROGRAMAS DE TELEVISÃO QUE APRESENTEM ELEMENTOS DO FILME COMO ENTREVISTAS, REPORTAGENS, ESPECIAIS, DEBATES, CRÍTICAS - APELO AO CONSUMO.
Logo tem-se a REPRODUÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA do modus vivendi hegemônico!
E o que fazer quando a onda hipnótica se esvair com o tempo, porque como pseudo-necessidade ela tem por essência a instantaneidade? A indústria cultural reaparece na vida do indivíduo sob novas formas, dentro da tríade estética/ética/consumo.