quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O SONHO DE VEJA E HADDAD: PROFESSORES A R$ 1,99

Os educadores brasileiros encontram-se numa situação de penúria financeira e profissional. Tempos atrás fiquei sabendo por meio de antigos professores de graduação que o curso de História não conseguia fechar novas turmas no turno da manhã, situação vivenciada também em outras licenciaturas da instituição de ensino superior onde me graduei bacharel/licenciado em História no ano de 2006. Ou seja, a juventude brasileira está se distanciando dos cursos de licenciatura!

Pós-graduação em História? Também a mesma situação, falta de quorum para se fechar uma única turma de estudantes.

Estes são exemplos claros, vivenciados hoje, de que algo de muito ruim acontece com a formação de professores e pior, com a própria profissão de professor/educador.

Lembro-me quando no primeiro dia de aula na universidade o professor Flávio Berutti perguntava a todos se por ventura nós estávamos ali pensando em “ganhar dinheiro”, e logo já respondia em tom profético e desanimador para muitos “não se iludam, quem pensar em ganhar dinheiro que vá procurar por outro curso”. E assim se iniciava a nossa formação como professores, com o prognóstico de que teríamos uma vida dura, caótica, desestimulante, em termos financeiros.

Trabalho como educador a pouco mais de dois anos e tudo o que ganhei até hoje ainda não paga o investimento feito em quatro anos de formação em uma universidade privada.

A massa de professores é absorvida, por excelência, no ensino público e na educação básica. E quando iniciamos nossa vida profissional vimos que co-existem mais dramas do que simplesmente os baixos rendimentos e a falta de perspectiva em melhorar, em crescer: a falta de infra-estrutura e de condições dignas de trabalho, a cobrança desproporcional de secretarias públicas e diretores, a desqualificação e desmotivação aparentes de colegas de trabalho, as diversas formas de “violência escolar”, o material didático inadequado e imposto.

Porém, ao contrário do que pregam os ideólogos da revista Veja (tecnocrática em termos educacionais), aumentar salário é sim uma forma de valorização profissional e mecanismo de transformação válido. Como já dito pelo amigo filósofo Ghiraldelli aumentar os salários torna a profissão mais atrativa, chamando para si as melhores cabeças, os mais competitivos e profissionais. Pagar mal, como hoje se faz de maneira equânime, é perpetuar em nossas escolas a presença de pessoas que fizeram a licenciatura não por vocação e interesse real, mas porque era um curso pouco procurado, fácil de passar no vestibular, ou mesmo cursos onde o governo concede maior número de bolsas de estudos.

Pagar bem os professores não resolve, por si só, os problemas da educação brasileira – porém, como dito acima, é um começo, uma forma de incentivar que profissionais mais preparados comecem a cursar as nossas licenciaturas.

Pessoas como eu, me perdoem à falta de modéstia, interessadas e que gostam do que faz mesmo trabalhando em condições tão desfavoráveis (financeiramente e de condições de trabalho) são exceções à regra onde as nossas instituições de ensino superior (públicas ou privadas) jogam, ano a ano, no mercado de trabalho um batalhão de professores despreparados/desqualificados.

Hoje o maior problema educacional de nosso país é justamente a visão distorcida que muitos secretários de educação ou mesmo do ministro Haddad (Ministro da Falta de Educação) possuem do que deve ser uma educação de qualidade. Para eles, tecnocráticos, os estudantes devem estar dentro da escola sem levar em conta o intra-muros das escolas (o que importa são os números e mais números de estudantes que hoje estão na escola, os números de evasão escolar, etc), que os estudantes devem ser sobrecarregados com uma infinidade de provas e avaliações institucionais (muitas vezes distante da realidade do ensino-aprendizagem dos alunos) que só repetem ano a ano o mesmo de sempre (falta de qualidade no ensino e fraca aprendizagem) e que só aumentam a carga de dados e números (esse pessoal possui uma estranha atração por números, de forma quase pitagórica), que o ensino de Humanidades é desnecessário perante a Língua Portuguesa e a Matemática (sempre privilegiadas em número de aulas semanais e no entanto os estudantes continuam não sabendo escrever, ler, compreender textos, realizar equações, problemas matemáticos, compreender geometrias ou a mais simples aritmética), sem falar no dito “revolucionário” Piso Salarial Nacional de R$ 950,00 (puxa, com este valor eu vou transformar a minha vida, imagine transformar a vida da juventude, imagine então se alguém vai se sentir motivado em ter este rendimento mensal após quatro anos de estudos e que se estendem por toda a vida).

Sobre o “maravilhoso” Piso Salarial de R$ 950,00 basta lembrar que se nossos políticos cumprissem com a carta Constitucional de 1988 o atual salário mínimo não seria inferior a R$ 2.000,00 (contra os vexatórios e míseros R$ 415,00). Ou seja, o que o governo federal quer e compreende como Piso Salarial, como um pagamento mínimo a ser dado a um educador, não chega sequer à metade do que deveria ser o salário mínimo constitucional (elaborado segundo a lógica de que o mínimo deve garantir a sobrevivência, digna, do cidadão brasileiro).

Imagine um professor solteiro, como eu. Ganhando o que o Estado chama de Piso Salarial, R$ 950,00. Pensemos que com estes recursos eu tenho que me deslocar para o trabalho (a pé, de ônibus, de bicicleta, porque financiar um automóvel é a mais pura das utopias quanto mais bancar gasolina e manutenção de veículo), ter acesso à saúde (ou alguém morre de amores pelo incompetente SUS?), moradia (pagar aluguéis, porque financiar um imóvel novo com isso seria piada de muito mau gosto), comer (sendo proibida a ida a restaurantes ou algo do gênero), pagar contas (eletricidade, gás, telefonia fixa – nada de acesso a internet, televisão a cabo, telefonia móvel) e pasmem, ainda ousar, isso mesmo “ousar”, manter-se um profissional atualizado com cursos de pós-graduação, aquisição de livros, assinatura de jornais e revistas (simplesmente impossíveis). Isso tudo se viver sozinho, completamente sozinho. E se caso arrumar esposa e filhos, ah....ai o caminho é da fome mesmo!

Em síntese, como afirma a revista “não-Veja”, nossos professores realmente não precisam de um salário melhor, com toda a certeza. E o preço que pagaremos por tudo isso será histórico, pois um dia toda esta massa de jovens que hoje sofrem com esta indecência educacional em breve se rebelarão, cada vez mais, na forma da vida fácil do crime, da bandidagem que seduz, muito mais que um curso de professor.

Um comentário:

  1. Professor, estou exultando de ler exatamente o que tenho vontade de vomitar publicamente. É isso mesmo que acontece, pessoas como eu, como nós, que amam a arte de ensinar, mas que não vêem na profissão reconhecimento qualquer, acabam desanimados e partem para outras atividades remuneradas que dignificam financeiramente o ser humano, mas acabam frustrados com a falta-de-educação e repeito do nosso país!

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