segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

TRANSFERIR OU NÃO A CORTE PORTUGUESA PARA O BRASIL?

Este ano de 2008 é um ano histórico. Completam-se 200 anos da chegada da corte portuguesa ao nosso país, inicialmente na cidade de Salvador e depois no Rio de Janeiro onde permaneceram por quase 20 anos.

O fato em si é marcante não só para nosso país, que saía de uma posição de total insignificância devido às fortes amarras coloniais, mas também por representar a chegada de um monarca europeu em terras americanas – fato inédito àquele momento.

O que poucos sabem é que o plano, a idéia, de trazer a corte portuguesa para a colônia brasileira não era um coisa exclusiva daquele período onde o Imperador francês Napoleão Bonaparte em 1807 já decretava verdadeiro ultimato ao príncipe Dom João e impunha ao continente europeu o chamado “Bloqueio Continental”. Antes disso, sempre em momentos de risco a corte portuguesa, de riscos a autonomia de Portugal (ameaçado constantemente por invasores externos), vinha à mente de eminentes portugueses o plano extremo de deslocar a administração do reino para as terras coloniais – estas mais ricas, com maior disponibilidade de mão-de-obra, e com certo isolamento dos conflitos europeus, o que transformaria o território português numa espécie de vice-reino enquanto que o Brasil se tornaria a morada da corte e do Estado português.

A primeira vez que isto foi pensado ocorrera durante o período conhecido como “União Ibérica” (1580-1640): quando o reino de Portugal permaneceu controlado e administrado pelo reino da Espanha de Felipe II, já que o rei português Dom Sebastião estava desaparecido desde 1578 numa missão no Marrocos.

O reino de Portugal era muito pequeno, com um exército insignificante se comparado com outras forças européias como a Inglaterra e a França. Não possuía muitas riquezas e era extremamente dependente de suas possessões coloniais, especialmente o Brasil.

No entanto, apesar de existente, a idéia de transferir a administração do reino para o Brasil sempre esbarrava na falta de coragem de muitos dos monarcas portugueses como Dom João V (em 1736 negou a idéia do embaixador Luiz da Cunha) e Dom José (em 1762 negou a idéia do Marquês de Pombal). Isso mudou com a ascensão de Napoleão Bonaparte e do Império francês por ele empreendido.

Em 1801 Napoleão avança sobre a Europa, e em 1807 só restavam duas nações a serem derrotadas pelo conquistador francês: Inglaterra e Portugal. Veio o ultimato ao príncipe português, que dividido entre aliar-se a uma das duas potências acabou por optar pelo apoio inglês – que tornara a velha idéia de transferência da corte uma coisa concreta. Melhor para os brasileiros, de certa maneira.

Para saber mais leia:
GOMES, Laurentino. 1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: ed. Planeta, 2007.
Ou assista:
CARLOTA JOAQUINA, A PRINCESA DO BRASIL. Direção de Carla Camurati, 100 min., 1995.

Um comentário:

  1. "Ele foi o único soberano da Europa que teve a firmeza e a sabedoria de fazer precisamente o que devia", disse James Ligham, acerca da decisão do príncipe Regente de retirar a Corte para o Brasil.
    ***

    Desde meados do século XVI, o Brasil surgia como uma terra da promissão, um horizonte infinito para uma expansão, que mitigada na Europa pelas contingências geográficas, políticas e demográficas, levava o reino português a procurar no além-mar, novas fronteiras propiciadoras pela aventura dos Descobrimentos. Martim Afonso de Sousa, o grande impulsionador da ampliação do domínio e da colonização lusa nas terras de Vera Cruz, foi talvez, o primeiro a vislumbrar as imensas possibilidades oferecidas pelo novel domínio, aconselhando D. João III à simples e efectiva transferência da sede da Monarquia, para a recém descoberta colónia.

    Após Alcácer Quibir e reconhecendo implicitamente a primazia legal dos direitos de D. Catarina, duquesa de Bragança, à sucessão do trono, Filipe II de Espanha, parece ter considerado seriamente a entrega do domínio americano à Casa de Bragança, em troca da efectiva posse do território português na península ibérica. A Restauração de 1640, ocorreu num momento difícil de total despojamento material da nação, levando o Pde. António Vieira a preconizar a opção brasileira, garantindo a criação de um verdadeiro império, dada a extensão territorial das conquistas, a ausência de inimigos directos nas fronteiras e uma privilegiada situação no Atlântico, o novo grande palco do confronto naval pela supremacia entre as grandes potências. D. Luís da Cunha, foi outro entusiasta desta solução, procedendo a uma copiosa e exuberante enumeração das vantagens decorrentes, garantindo uma nova dimensão ao poderio português, libertado desta forma, das peias que uma situação geográfica difícil e a ausência de recursos, ditava um paulatino e inelutável declínio de Portugal como factor relevante na Europa.

    No século XVIII, a instabilidade no precário equilíbrio europeu, fez eclodir guerras nas quais todo o continente se envolveu de forma directa - Guerras da Sucessão da Espanha e da Áustria e intervenção dos Bourbon espanhóis na Itália, para nos referirmos apenas aos principais conflitos -, que inevitavelmente perturbaram a já tradicional política portuguesa de não envolvimento nos conflitos continentais. Se excluirmos uma breve e quase simbólica participação da Armada portuguesa (1717) na guerra Liga cristã contra o Império Otomano, Portugal manteve-se coerentemente ausente dos campos de batalha europeus, durante mais de cinco décadas.

    A indirecta intervenção na Guerra dos Sete Anos, deveu-se sobretudo, a uma tentativa bourbónica de neutralizar o importante ponto de apoio da Royal Navy na península, essencial para o controle da navegação atlântica e colonial. Considerando seriamente as hipóteses decorrentes de uma invasão das tropas do Pacto de Família, Pombal ponderou a transferência da corte e do governo - a Soberania -, para o vice-reino do Brasil, a fonte dos recursos que permitiam a existência do próprio Estado português.

    A Revolução Francesa de 1789 e a posterior ascensão de Bonaparte, destruiram a velha ordem estabelecida ao longo de séculos. Preceitos, doutrinas, convenções e modus operandi universalmente aceites pela velha diplomacia europeia, volatilizaram-se diante dos disparos da artilharia, ou jazeram para sempre esmagados pelas cargas dos couraceiros franceses que arrasaram tronos, pisotearam Estados antigos e fizeram movimentar massas populacionais de uma forma jamais vista. É hoje difícil imaginarmos o espanto e a tragédia vivida por milhões, que assistiram impotentes, ao desabar de um mundo que para a imensa maioria, era o fruto de uma ordem natural ou divina.

    As sucessivas tentativas da manutenção da neutralidade, encontraram no alvorecer de 1800, uma real impossibilidade de concretização. O génio militar de Napoleão e a violência dos seus ímpetos, fizeram dissipar qualquer veleidade de estabelecimento de alianças consistentes no continente, susceptíveis de permitir, pelo menos, a contenção de um expansionismo que não conhecia limites e nem sequer garantia uma razoável moderação, no sentido da criação de uma nova ordem negociada e aceite pelo conjunto dos Estados.

    Os ministros portugueses - entre os quais destacamos Domingos de Sousa Coutinho, Rodrigo de Sousa Coutinho e o marquês de Alorna -, instaram com o Regente no sentido de fazer pender Portugal, para a fidelidade à já antiga aliança com a Grã-Bretanha. Conhecendo bem a dependência portuguesa do comércio além-mar e a supremacia inglesa - hegemónica após Trafalgar (1805) - nos mares, consideravam qualquer aproximação de facto à política continental napoleónica, como pressuposto para a imediata perda das possessões ultramarinas. Os ingleses não tardariam muito em proceder à ocupação ou anexação da Madeira, Açores, Goa e Macau. Eram bem conhecidas as ambições expansionistas na América do Sul que surgia como um perfeito sucedâneo das ainda recentemente perdidas Treze Colónias norte-americanas. Em "A Decadência do Ocidente", Oswald Spengler sublinha o projecto de Hobbes, que visava a conquista inglesa de todo o continente, como condição de uma efectiva hegemonia imperial.

    Em 1807 e após o decretar do Bloqueio Continental, a Inglaterra encontrava-se ameaçada e sem aliados na Europa. Não parece lícito trabalhar sobre meras hipóteses. A História faz-se sobretudo, da análise dos factos e da documentação, mas também - e este aspecto tem sido ostensivamente negligenciado desde há mais de um século -, com o estudo comparado de eventos demonstrativos de tendências de políticas, situação económica e social dos Estados e doutrinas prosseguidas por estes. Desta forma, poderemos seguramente proceder a uma análise comparativa de situações ocorridas durante os conturbados anos de 1799-1807: a anexação do Piemonte e de Parma (1802), a ocupação de Viena (1805), de Berlim (1806), a anexação da Holanda e destituição da Casa de Orange (1806), a deposição dos Bourbon de Nápoles (1806) e a destruição da frota dinamarquesa e bombardeamento de Copenhaga pela armada britânica, como represália pelo alinhamento da Dinamarca com a França de Napoleão (1807).

    Em Novembro de 1807, a barra do porto de Lisboa, já se encontrava bloqueada por uma poderosa frota britânica, onde os sinais de impaciência pela não clarificação da atitude do governo português - sempre confiante até ao fim na obtenção da manutenção de uma neutralidade negociada -, poderiam ter conduzido a um irreparável desenlace: a captura ou destruição da frota portuguesa e o consequente bombardeamento de Lisboa. Estas chegaram a ser opções ponderadas, no caso do prolongamento de uma já insuportável situação dúbia. Sabia-se da rápida aproximação do exército invasor de Junot e era urgente a concretização daquilo que fora acordado pela chamada Convenção Secreta luso-britânica (22 de Outubro de 1807) que indicava a transferência da família real e do governo para o Rio de Janeiro. Para os ingleses, era crucial a manutenção de um aliado no concerto dos Estados europeus, propiciador de um exemplo de sucesso face às ambições expansionistas da França.

    Conhecemos bem os detalhes do embarque e ao longo de um século e meio, sobrevalorizaram-se os aspectos anedóticos que eram aliás, inevitáveis, devido às condições precárias do momento. No entanto, a alegada "fuga" - que jamais ocorreu -, faz--se de uma forma inédita em toda a História europeia: é todo um aparelho de Estado que embarca, a quase totalidade do tesouro e uma inquantificável quantidade de documentos, 60.000 livros da Biblioteca Real e bens sumptuários, enfim, uma sociedade inteira que se traslada para um território longe da rapina inimiga e que se exime também - talvez o aspecto mais relevante para a mentalidade da época -, ao vexame da capitulação. Seria bastante útil, procedermos ao completo levantamento e apreciação da reacção da ainda incipiente opinião pública dos diversos países europeus que, naquele momento de todas as incertezas e temores, decerto vislumbrou o bruxelear da chama de uma resistência à prepotência, latrocínio e violência a que os povos estavam submetidos. Foi na verdade, a primeira vez que Bonaparte não venceu e disso deu testemunho nas suas Memórias.

    Muito mais tarde, decorridos cento e trinta anos, outros governos e soberanias imitariam, de uma forma ainda mais apressada e sobretudo, menos digna, o exemplo dado pelo Regente D. João, encontrando novos portos de abrigo onde se eximiram aos ditames do vencedor do momento. A rainha Guilhermina da Holanda e os reis Haakon, Pedro II e Jorge II da Noruega, Jugoslávia e Grécia, respectivamente, puderam organizar a resistência nacional à invasão nazi. A derrota militar foi apenas uma batalha perdida e possibilitaram com essas "fugas", o forjar de armas e exércitos que desafrontaram as suas nações. O Armistício francês de Junho de 1940, foi prenhe de consequências nefastas, das quais a França jamais se libertou e podemos legitimamente imaginar, como teria evoluído a II Guerra Mundial, no caso do governo francês não ter ido à Canossa indicada pela vencedora Wehrmacht.

    Podemos apenas imaginar o que teria sucedido se Junot tivesse conseguido executar as ordens recebidas das mãos do seu imperador. O Regente e toda a sua família, conheceriam o mesmo destino dos Bourbon de Espanha, partindo coactos para um incerto exílio em França, onde uma abdicação era a hipótese mais provável. O Brasil tal como hoje o conhecemos, jamais existiria na sua grandeza territorial e talvez, até na sua estrutura e multiplicidade étnica. As ilhas atlânticas, seriam hoje, possíveis territórios da coroa britânica, à semelhança de Gibraltar. Embora a derrota final de Napoleão fosse inevitável - dada a relação de forças em presença e a hegemonia inglesa nos mares -, é lícito questionar, se Portugal não teria um destino semelhante ao da Noruega, Finlândia ou Polónia, que no Congresso de Viena, foram sacrificadas às razões do equilíbrio de poder na Europa e à política de simplificação do mapa e de compensações.

    Pelo contrário, a declaração de guerra à França - assinada já pelo Regente na sua nova capital além-mar -, possibilitou a manutenção da legitimidade e existência do Estado como entidade soberana. O levantamento nacional, a organização de um exército que foi um instrumento precioso sob o comando de Wellington, garantiram a presença de Portugal na Grande Mesa do Congresso, ao lado da Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia, França e Espanha. Foi talvez, o momento áureo da velha aliança luso-britânica e do efectivo nascimento do Brasil como nação internacionalmente reconhecida, com o nome de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

    O Regente D. João prestou um grande serviço ao país, e ao fazê-lo, criou uma segunda uma segunda Pátria que é também de todos nós. O Brasil, como diz aquele bem conhecido Fado Tropical, talvez ainda se ..."vai tornar num imenso Portugal"... É esta a nossa garantia de sobrevivência como cultura, língua e destino, que são ímpares na Europa. No passado sábado, estava - sei eu lá porquê? - hasteada uma bandeira brasileira na grande varanda do Palácio de S. Bento. Naquele momento de passeio por Lisboa, recordei agradecido, a decisão tomada numa hora de grande comoção nacional. Se pudesse ter visto a fachada do Parlamento, D. João VI teria sorrido com bonomia. A prudência e a memória eram duas das suas grandes qualidades. Saibamos aproveitar o precioso legado.


    http://estadosentido.blogspot.com/

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