domingo, 30 de agosto de 2009

PROF. TIAGO MENTA ENTREVISTA: PAULO GHIRALDELLI JÚNIOR


A entrevista com o filósofo paulista Paulo Ghiraldelli Júnior (23/08/1957), um dos mais criativos (com trabalho extenso na internet via redes sociais, blogs, vídeos no youtube, a partir de seu trabalho junto ao Centro de Estudos em Filosofia Americana - CEFA)e ativos dos intelectuais nacionais (com mais de vinte livros publicados, tratando desde Temas Clássicos ou Contemporâneos da Filosofia, História da Filosofia, História da Educação; colunista do jornal O Estado de São Paulo, e professor universitário) topou dar uma entrevista, muito bacana, ao amigo historiador aqui de Belo Horizonte na noite do dia 29 de agosto de 2009. Boa leitura e não percam o trabalho do amigo Ghiraldelli nos endereços abaixo:
http://www.ghiraldelli.blogspot.com
http://www.ghiraldelli.pro.br
http://www.livestream.com/filosofia?referrer=mogulus
http://portal.filosofia.pro.br/
http://ghiraldelli.ning.com
http://www.justtv.com.br/loucurasdoalexandrelli

1. Paulo Ghiraldelli Jr., o que é mais díficil no Brasil em que vivemos: ser filósofo ou ser professor? Justifique.

Ser filósofo é algo que não devemos qualificar como fácil ou difícil. Filósofo não é profissão e não é sacerdócio, é um modo de condução da própria vida. É claro que se vou preeencher um formulário, ponha lá, "filósofo". Mas não é uma profissão, não pode ser. Não se pode querer ganhar dinheiro simplesmente por estar respirando. E isso é o que o filósofo faz, ele respira. E ao respirar, quer comer, quer viver e ... pimba, se vive filosoficamente, está vivendo como quer. Agora, como ganha a vida um filósofo, profissionalmente? Bem, ele pode trabalhar em qualquer profissão. Houve filósofos reis e filósofos carregadores de água. No mundo atual, em geral, dado as habilidades do filósofo, ele acaba se deslocando profissionalmente para carreiras não braçais para ganhar a vida, como escritor, professor, diretor de cinema, tradutor, etc.
Quanto a ser professor, bem, na escola pública brasileira, hoje, é impossível. O governos democráticos não cuidaram da carreira do professor, e agora as coisas não são alvissareiras e não vejo nada sendo feito para melhorar. Não digo melhorar o aparato físico, número de vagas etc. Digo melhorar a condição de vida e trabalho do professor - do bom professor. Isso é que está no chão no Brasil. Todas as reformas nos cursos de licenciatura para formar professores, não atraem os melhores para eles. Toda as reformas para instaurar planos de carreira para o professor já em exercício, também não torna a profissão atraente. Então, nesse campo, de Sarney a Lula, a democracia falhou. Somada com todos os erros do regime militar, estamos em uma situação difícil nesse setor.
Agora, sobre a profissão do professor universitário da universidade estatal, onde existe uma carreira, aí as coisas estão bem melhores. Esse pessoal não tem motivo para chorar. Seria necessário é fazer o que se fez com essa profissão, de professor universitário, também no setor da escola pública - incentivar a carreira por mérito intelectual, e deixar aí, ao menos ao longo de dez anos de serviço, o professor da escola básica, com um salário mais próximo do salário do professor universitário, e isso sem abaixar o salário deste.

2. A Filosofia enfim chega ao ensino médio como disciplina obrigatória. Como professor, sei que o simples fato dela estar ai ainda não é o bastante para a valorização do ensino de Filosofia. Então, o que ainda falta para o ensino de filosofia na educação básica nacional?

Bem, da minha parte, publico um monte, procuro escrever textos numa linguagem acessível a todos mais escolarizados e também aos menos escolarizados. Vou para a TV, estou em blogs e em todo o canto. Esse trabalho poderia ser maior, com mais gente. Mas o que eu faço já faz um bom barulho. Quero ter saúde para nos próximos 40 anos, continuar isso, além da minha atividade de scholar e pesquisador. Creio que é isso que podemos fazer. Quanto a esperar do governo algo, é bobagem. Não virá. E se vier, saia de baixo, pois com os governos que tivemos e temos, é até melhor que não venha nada mesmo. São um bando de imbecis e funcionam mais no agrado a corporações e amiguinhos do que no interesse da educação. Na filosofia, então, meu Deus! É até bom que não chamem nenhum intelectual para fazer algo, pois não custa nada virar uma coisa ou sem qualidade e chata ou uma coisa aparentemente com qualidade, mas apenas uma forma de disfarçar ideologia. O melhor mesmo é contarmos com esse tipo de trabalho que, em parte, eu faço com o apoio do Centro de Estudos em Filosofia Americana, o CEFA.


3. Compatilho com você duas paixões: a Filosofia, mas também a tecnologia (e a extensa rede que se constrói a partir do Cefa demonstra isso, tudo via internet). Assim, qual é e qual será o papel da internet como mecanismo, eficiente, de ensino-aprendizagem?

Não sei se a Internet é um lugar de aprendizagem. Ela é, sim, um lugar de aquisição de informação. Mas ainda não é um lugar de aprendizagem. A tecnologia dela ainda é um trambolho. Quando pudermos repetir a experiência de conversação ao vivo, em tempo real, sem grandes transtornos, o que não vai demorar muito, aí a coisa realmente vai valer a pena. O aprendizado real de você "pensar junto", pode ser feito pela escrita, mas precisa ser feito pela oralidade e, mais que isso, precisa ser feita na situação de convívio coletivo corporal. Nós somos seres do convívio, da imitação, do toque corporal. O que a Internet tem de bom é que ela é um lugar de liberdade. Sem ela, estaríamos sob o tacão do poder. Com ela, podemos botar a cabeça para fora. Os blogueiros colocaram o Quarto Poder no lugar dele. E isso é uma vitória mesmo. Para a filosofia, foi ótimo isso.

4. Hoje na grande maioria das Universidades faz-se um ensino muito fragmentado, artificializado, na base de apostilas, capítulos de livros, etc. Por que o curso superior, ou mesmo o nosso ensino médio, literalmente fogem das chamadas leituras "clássicas"? Por que o brasileiro teme os autores clássicos?
A fragmentação não é o problema. Isso é assim mesmo. As organizações da informação se fazem com cada um. Agora, os clássicos tem de prevalescer mesmo, mas como com esse tipo de formação dos estudantes, como fazer? Agora, veja, o brasileiro não teme os clássicos, e a prova é o êxito de venda da coleção "Os pensadores". Agora, é claro que há uma mania de achar que é sempre necessário ler alguém antes de ler os clássicos. Isso não é verdade.

5. Falando em política, é válida a clássica divisão entre esquerda e direita na política nacional, ou como diz a verborragia popular "é tudo farinha do mesmo saco"?
Não é farinha do mesmo saco não, e as posições direita e esquerda são super válidas. Nisso, somos herdeiros dos modernos, sim. Só a direita, derrotada na II Guerra Mundial, diz que não vale a divisão. A esquerda, nunca foi derrotada. O que ocorre com parte da esquerda foi o fracasso de um regime que caiu de joelhos por si mesmo. Foi o fim da URSS. Mas isso não tirou da esquerda a capacidade de reivindicar a classificação aludida, pois ficou a desconfiança de que o projeto da URSS não era o socialismo, e sim um erro, um desvio etc. Agora, no plano das democracias ocidentais, não importa se vamos um pouco à direita ou um pouco para à esquerda, embore eu prefira um pouco à esquerda, o que é necessário fazer é garantir que as oscilações não tirem nosso chão, ou seja, o lugar do tabuleiro, o lugar do jogo, que é a democracia, a garantia de que a vontade da maioria pode ser exercida sem que isso venha a comprometer a existência e os direitos das minorias.


6. Existe possibilidade de se conciliar socialismo ou mesmo qualquer ideologia que busque coletivização com democracia?

Há uma equação dura de resolver, a saber: como garantir liberdade individual sem que, entre essas liberdades, não esteja a liberdade de criar seu próprio negócio e tentar lucrar com ele. Esse é o problema do "socialismo com liberdade". Uma saída que temos, e que não é de se jogar fora, é a social democracia ou o liberalismo americano. Vive-se a liberdade de mercado e, no entanto, mantém-se o Estado ali, de butuca, para que as coisas não fiquem ao saber das "loucuras da época". Os Estados Unidos fazem bem isso. A democracia funciona e o Estado pode intervir, ainda que com cuidado, quando a coisa aperta, e isso se deu agora, com os americanos chamando os democratas, com Obama à frente, para fazer estatizações passageiras e, enfim, corrigir a rota. Esse programa é o ideal. Em relação à America, Marx acreditava nele, Tocqueville não.

7. Quais os maiores erros e quais os maiores acertos de uma vida política democrática?
Não digo acertos e erros, digo que há um problema nos regimes democráticos do Ocidente. Trata-se de algo que, nos Estados Unidos, tem dado resultado, mas que, no Brasil, ainda não funcionou. Falo da oposição, na democracia, entre os que cuidam do demos e os que cuidam da res-publica (vamos chamá-los de democratas e republicanos). Os primeiros podem descarrilhar para o populismo, os segundos podem descarrilhar para a incapacidade de perceber que dinheiro para a área social não é gasto, é investimento. Se soubermos equilibrar republicanos e democratas, aqui no Brasil (neste sentido que explicitei), podemos avançar. Por enquanto, estamos mais para o descarrilhamento desses dois grupos do que para suas possíveis melhores performances.

8. Sabemos que o filósofo integra uma filosofia pragmática, que encontra a sua plenitude no pensamento norte-americano (como Dewey ou o amigo e colaborador Richard Rorty). Para quem quer se iniciar nos caminhos de uma Filosofia Pragmática, o que o filósofo pode deixar como mensagem? O que o estudante, a pessoa comum, pode encontrar, de significativo, na filosofia pragmática?
Eu não sou um pragmatista de carteirinha. Fui amigo de Rorty e escrevemos alguma coisa juntos. Tive uma formação diferente da dele. E sou bem mais novo, ainda! Sou um tipo de filósofo que segue os passos não do pragmatismo em geral, mas do projeto de redescrição que Rorty fez bem. Rorty era um filósofo que apostava na imaginação e na esperança, e isso é comigo mesmo. Agora, o que realmente está no meu sangue, como estava no de Rorty, é que devemos manter a mente aberta PARA TUDO, e isso nos fez ler analíticos e continentais, e nunca deixar de ler um filósofo por razões políticas. Essa é a lição que aprendi. Agora, a outra lição dele eu não sei se aprendi mesmo com ele, acho que eu já era assim quando o encontrei. É que ele eu somos filósofos "do contra". Quando todo mundo vai para um lado, começamos a ficar com vontade de ver se isso não é uma coisa banal, que precisa de alguém que diga, xiii, mas o outro lado não fica ninguém porque? No meu caso, não faço isso por birra ou método, apenas por uma vontade de lembrar de que Montaigne não era burro. Ele lá tinha sua razão em achar que sempre podemo, e até devemos, ver se há razões contra as razões que me são dadas pelos que estão conversando comigo.

9. Para fecharmos a conversa vamos fazer um bate-bola cercado de polêmicas, eis o desafio:
a) o que pensa da lei anti-fumo em São Paulo?
Boa, é uma aspecto do projeto civilizatório, diria Norbert Elias.
b) como você definiria o trabalho do atual ministro da educação Fernando Haddad?
Qual trabalho? Ele tem trabalhado no que ? Ele abre todo dia uma frente nova, mas não desenvolve nenhuma, então ... parece que é uma sucessão de ejaculações precoces.
c) o que pensa sobre a descriminalização do uso de drogas?
Excelente. Se isso for levado de modo racioal, vamos dar um golpe duro no tráfico.
d) você é praticante de alguma religião?
Não, embora os deuses estejam sempre do meu lado.
e) em geral como você qualificaria os colegas filósofos do Brasil?
Gostaria de poder falar algo, mas eles são tão quietos, tão auto-centrados, tão alheios ao diálogo público que não há o que falar. Os que andaram falando ,tiveram de praticar o silência obsequioso, pois recebiam seus salários do governo Lula ou, então, da oposição. Assim é difícil.
f) o fato de se auto-intitular o filósofo de São Paulo causa ciúmes ou o fato de sua esposa ser uma mulher atraente e jovem causaria mais ciúmes ou mesmo inveja das pessoas?
Ha ha ha ha. Eu não sou "o" filósofo de São Paulo por ser dono da filosofia que se faz aqui, eu sou isso porque ganhei esse apelido na imprensa e eu resolvi usar para mostrar que alguém pode pensar vários temas mesmo que seja provinciano, mesmo que seja ligado à comarca. É uma lição socrática. Infelizmente, em vez das pessoas ficarem contentes com essa posição, algumas ficaram com birrinhas. Houve até um professor da Usp que telefonou para o jornal o Estado de São Paulo, usando um telefone do governo, talvez até da CAPES, pedindo minha cabeça no jornal. Mas, enfim, nem estou tendo tempo de jornal agora, os livros, TV e net tomam todo meu tempo.
Agora, sobre minha esposa, bem, a apróxima novela da Globo terá um casal com diferença de idade. Talvez melhore um pouco para a cabecinha dos que andaram falando contra mim e usando isso. Até um jornalista que se diz de esquerda, o Nassif, andou tentando desqualificar meu discurso usando isso. Que vergonha!
g) o que você tem a dizer aos que lhe criticam?
Adoro críticas. A melhor coisa do mundo é receber críticas. É claro que críticas inteligentes, que fazem a gente realmente mudar, são melhores do que críticas burras. Mas, na falta das segundas, vai as primeiras mesmo!
h) o Brasil tem jeito?
Por enquanto, o Brasil tem "geito". Para ter jeito, temos de escapar da dicotomia Dilma-Serra, que são fraquinhos para serem presidentes do Brasil. São mais fracos que Lula quando iniciou.

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