terça-feira, 22 de julho de 2008

O CORINGA DE LEDGER - ANARQUISTA?


O CAOS ESTÁ NOS CINEMAS!
Fazia tempos que um filme, mesmo hollywoodiano, não provocava em mim dupla percepção: de aprendizagem, reflexão constantes, e ao mesmo tempo de ótimo entretenimento. Isto é "BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS" que estreiou nos cinemas mundiais no último dia 18 deste mês.
Mas, e de onde vem o "Caos" presente neste filme? Materializado na figura do Coringa, interpretado brilhantemente pelo já falecido ator Heath Ledger (vitimado por uma overdose de medicamentos em janeiro deste ano).

O CORINGA DE LEDGER - ALUSÃO AO PENSAMENTO ANARQUISTA
O Coringa não é um vilão como os outros, clássicos em filmes de heróis ou mesmo nas histórias em quadrinhos, e o próprio personagem afirma isto no filme "Não sou como vocês (...) sou algo melhor, diferente". Então, o que ele é?
Os vilões clássicos buscam dinheiro, poder, coisas materiais, típicas de um mundo mercantilizado como o atual. Eles roubam, sequestram, matam, em nome do poder e do dinheiro. Simples. O Coringa não - ele rouba, sequestra, mata, não pelo dinheiro, poder ou coisas materiais, ele simplesmente quer ver "o circo pegar fogo" e mais nada. Ele quer o caos, ele quer o descontrole, e ele se apresenta no filme como um agente deste descontrole.
Indício disto é a cena onde o Coringa coloca fogo numa pilha gigantesca de milhares e milhares de dólares, ou seja, ele desdenha da propriedade privada! Muitos diriam que ele é louco, afinal como diz a cultura popular "rasgar dinheiro" é manifestação própria de quem perdeu a consciência, mas para o Coringa não, ele não rasga dinheiro ou queima-o por loucura, não, ele age assim pois queimando milhares de dólares ele põe em xeque um pilar de nossa sociedade: a propriedade privada. Estamos habituados a ter a noção de propriedade como algo intocável, quase divino, sendo inclusive preceito básico de nossas leis (o direito à propriedade).
O fim da propriedade privada é um dos pilares de dois pensamentos políticos construídos ou fortificados no século 19: o Socialismo e o Anarquismo. Em ambos encontramos um outro pilar, de suma importância: o igualitarismo. Para o Coringa todos somos iguais, não há dúvida. Mas isso nao se traduz como no sentido do coletivismo, do humanismo, não, para o Coringa todos somos iguais na hipocrisia, na necessidade e busca pelo auto-controle e por algo que nos controle (como os governos, o Estado, as autoridades) porque em essência somos todos uns animais em completo descontrole, e ele, ao contrário das pessoas comuns ou mesmo "civilizadas" deixa este descontrole, natural, aflorar e se manifestar numa Gotham City que se torna prisioneira de si mesma, prisioneira em várias circunstâncias do verdadeiro caos.
Quando aqui me refiro ao "Caos" não é pura e simplesmente em termos de bagunça, não, falo em termos da origem etimológica grega (anarchos) de falta de governo, falta de autoridade. E é pela falta de governo e autoridade que Gotham City precisa de figuras como Batman (para manter o controle) ou apresenta figuras como Coringa (para gerar o descontrole).
Para questionar ou mesmo destruir as noções ou figuras de autoridade, o Coringa atua sobre a figura do eminente promotor público Harvey Dent, causando-lhe a perda de sua noiva - provocando-lhe uma transformação tão intensa que Harvey, de idealista e íntegro homem das leis (essência do controle), se torna um justiceiro cruel e incrédulo como "Duas-Caras", reforçando a descrença na justiça e a própria situação de caos, de falta de autoridade em Gotham City.
Mas o que quer o Coringa com tanta destruição e caos? Uma sociedade nova e mais livre, com certeza. Uma sociedade sem controle, sem autoridades, sem propriedades, onde todos viveríamos uma espécie de estado natural.
Em suma, percebe-se, a partir do personagem, toda uma influência da teoria anarquista na construção deste mesmo personagem e na própria caracterização do Batman e de outros heróis - ou seja, os heróis são em essência agentes do controle, mantenedores da ordem existente. Os heróis não podem gerar transformações, nunca. Os heróis são conservadores por excelência. Alguns vilões, como o Coringa, causam furor e muito estrago por simplesmente atuarem como agentes do descontrole e que possuem capacidade criativa, de geração de algo novo, de transformação.
De alguma forma Gotham City é nossa vida em sociedade, sombria e dura. Nossos governos e autoridades possuem limites, e quando elementos de destruição e descontrole, transformadores, como o Coringa aparecem logo a mesma sociedade produzirá seus heróis, conservadores, mantenedores do controle e da ordem como Batman.
Finalizando, uma certa vez afirmara Michail Alexandrovich Bakunin (1814-1876):

"A PAIXÃO PELA DESTRUIÇÃO É TAMBÉM UMA PAIXÃO CRIADORA"

4 comentários:

  1. Excelente análise. Faz lembrar aos pregadores do caos que que, no paulatino passo-a-passo das descobertas, se anteveja ser mais sábio dizer que o que chamamos caos nada mais constitua que a ordem existente naquela esfera que desconhecemos (aquela que nosso atual estágio de desenvolvimento não nos permite AINDA divisar) do que uma completa ausência de ordem, um pretenso acaso, como contrariamente nos revela a quase totalidade do pouco de tudo o que exista que nos foi dado desanuviar até então.
    Não se desconstrói por desconstruir, mas para reconstruir, para tecer novas visões, novas perspectivas, novos paradigmas - quiçá mais depurados, mais completos e complexos, abrangendo toda uma gama de aspectos desprezados pelos demais, pelos predecessores.
    Se a Modernidade nos legou a idéia de um ilusório conforto, a idéia de controle e pretensa certeza plena, a Pós-Modernidade, por sua vez, trouxe consigo a apocalíptica chaga da total incerteza e da ausência de um mínimo e qualquer fundamento para todas as coisas, ignorando maculasse, com isto, até esta mesma proposição de que nada possa ter fundamento algum.
    Ora, quando alguém afirma – tudo é relativo! – quando este alguém professa que tudo varia, que tudo muda com o tempo, que tudo se altera, não estaria, este mesmo alguém, a dizer, por outro lado, que nada se mantém, que não há solidez em coisa alguma, tampouco no conhecimento? Ou seja, não estaria este mesmo alguém a dizer que, se tudo é realmente relativo, o conhecimento também o seria (já que, obviamente, faz parte de tudo, de todas as coisas)? Agora, neste contexto, este relativismo em tais moldes não englobaria o conhecimento (certo, preciso, objetivo) de que tudo é relativo? Isto não o faria contraditório; contrário a si mesmo? Pois bem, se alguém diz – tudo é relativo! – quem o diga estará fazendo, invariavelmente, uma afirmação absoluta, uma afirmação que vale (ou pretende valer) para todas as coisas, mas que não pode nunca valer para si mesma, sob pena de fazer-se relativa ela também, não sendo, portanto, aplicável a todas as coisas, já que ela quer impor-se absolutamente a tudo, a todas as coisas, donde se presumiria, englobando até a si, embora não o possa sob pena de contradizer-se, qual o faz. Ora, dizer que tudo é relativo é fazer uma exceção a este próprio dizer no exato ato de proferi-lo, já que, se o professado ‘relativismo de tudo’ englobar a própria frase que o afirma, ela se fará relativa, então não valerá para tudo, fazendo-se falsa. Por outro lado, se não a proposição não abraçar a si mesma, haverá algo que não será relativo, fazendo-a igualmente falsa.
    Querer impor o relativismo a todas as coisas é, noutros termos, ‘absolutizar’ o relativo; é querer fazer do relativismo regra válida para todo e qualquer caso e situação (uma regra absoluta, e, portanto, contrária a si mesma, uma exceção a si mesma - e uma exceção a algo que só pode valer para tudo, é fazer dessa proposição mesma, algo que não vale para tudo, destintuindo-a, então, de toda a sua pretensão). Isto faz do relativismo em tais moldes algo aplicável para todos os casos e situações menos para o(a) seu(sua) próprio(a) quando afirma e sustenta: ‘tudo é relativo’, sendo esta sua afirmação mesma uma afirmação absoluta – e, portanto, contrária a si.

    ResponderExcluir
  2. Coringa não é vilão. Ele é o dono da razão, concordo com ele plenamente. Mas acho que não teria coragem de agir como tal, apesar de querer. Até que podia existir realmente alguém como ele, iria ser eternamente grata.

    ResponderExcluir
  3. Já havia feito essa avaliação. Com um adendo: A sociedade cria seus monstros, para depois destrui-los

    ResponderExcluir